domingo, 12 de agosto de 2012
"E olha que ainda existem auto-observadores ingênuos que acreditam na existência de "certezas imediatas". Por exemplo "eu penso" (Crítica a Descartes.) ou, e esta foi a superstição de Schopenhauer, "eu quero". Como se o conhecimento chegasse a discernir o seu objeto, pura e simplesmente, como "coisa em si", como se não houvesse falsificação, quer por parte do sujeito, quer por parte do objeto. Mas hei de repetir cem vezes que a "certeza imediata", do mesmo modo que o "conhecimento absoluto" e a "coisa em si" encerram uma contradictio in adjecto! Dever-nos-íamos libertar da sedução das palavras! Que o povo acredite que o conhecimento consiste em conhecer uma coisa até o fim vá lá, mas o filósofo deve dizer "Quando eu analiso o processo expresso na proposição 'eu penso' obtenho uma série de afirmações temerárias difíceis, se não impossíveis de fundamentar. Afirmações do tipo : que sou eu quem pensa, que tem de existir em absoluto algo que pensa, que pensar é uma atividade e o efeito de um ser considerado como causa, que existe um 'eu', enfim que já está estabelecido o que se deve entender por pensar, que eu sei o que é pensar. Pois, se eu não estivesse já com idéias assentes sobre isso, como poderia decidir se o que está a acontecer não é talvez 'querer' ou 'sentir'? Resumindo, esse 'eu penso' pressupõe que eu compare o meu estado momentâneo com outros estados que conheço já em mim, para estabelecer o que ele é. Devido a esta comparação com um 'saber' de outro tipo, não é, para mim pelo menos, uma certeza 'imediata'". Em vez dessa "certeza imediata" em que o povo talvez acredite no caso apontado, o filósofo fica com uma série de questões de metafísica, verdadeiros problemas de consciência do intelecto, tais como esses: "De onde é que extraio o conceito de pensar? Por que acredito na causa e no efeito? O que me da o direito de falar de um eu e ainda de um eu como causa, e finalmente um eu como causa de pensamentos?" Qualquer um que, baseado numa espécie de intuição do conhecimento, se aventura a responder imediatamente a estas questões da metafísica, como faz aquele que diz: "eu penso, e sei que pelo menos isso é verdadeiro, real e certo" - esse, hoje, provocará no filósofo um sorriso e dois pontos de interrogação. "Senhor", dir-lhe-á talvez o filósofo,"é pouco provável que não esteja enganado: mas por que deseja a verdade a todo o custo?"."
Para Além do Bem e do Mal
Friedrich Nietzsche

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